Quarta-feira, 05 de Março de 2014

Na pousada, sentamos a mesa da jornalista Maria, exímia praticante do nobre esporte de levantamento de copo. Este, como o ciclismo, tem a capacidade de exacerbar a verborragia. E em sua maneira direta perguntou a mim e a Lili, a queima-roupa: como vocês se conheceram?

(Piraí cedinho, muito antes dos repiniques, tamborins e tambores começarem o carnaval)

No livro A Brincadeira, que levei para ler, avisa (p.94): “O amor tem tendência a engendrar sua própria lenda, a mitificar seus começos”. Assim, contei o que guardei na lembrança daquele dia muito especial, há 33 anos. “Estava parado a uma esquina quando vi uma bela mulher atravessando a rua vindo do mercado empurrando um carrinho de compra cheio até em cima. Ela parou e cheguei junto perguntado: possa ajuda-la e levar o carrinho? Ela disse: não precisa, moro neste prédio. Engrenei: gostei muito de te ver, podemos nos encontrar logo mais para conversar um bocado? Ela disse: sim".

A repórter e amiga virou para Lili: “E para você, como é que foi?”

Lili contou: “Ele disse que meu esmalte combinava comigo e minhas roupas eram de cores muito alegres...”

A outra pontificou: “Viu, esta é a visão ‘mulherzinha’. É isto que você – virando para mim – deve lembrar sempre".

O livro conta um encontro do personagem com uma jovem: “Por que ao cruzar com ela não continuei o meu caminho? Eu já não encontrara tantas garotas como ela pelas calçadas? Teria sido a luz singular daquela tarde que me fez retardar o passo? Ou teria sido algo no aspecto dela que me tocou e atraiu? Não sei”. Mais a frente ele reconhece que neste encontro “houve de fato uma espécie de visão, sim, vi a essência daquilo que ela se tornou para mim. Eu compreendi na hora, senti e vi claramente como ela era, como uma verdade revelada”.

Outro dia ele lê uma poesia de Frantisek Halas, um poeta húngaro maldito durante o comunismo, acusado de morbidez e de ser existencialista.

"Magra espiga o teu corpo

de onde grão que cai não germina.

Qual espiga magra é teu corpo.

Novelo de seda o teu corpo

recalcado de desejo até o último sulco.

Qual novelo de seda é teu corpo.

Céu de cinzas o teu corpo

e ns tus fímbrias a morte espreita e sonha

Qual céu de cinzas é teu corpo.

Silêncio sem par o teu corpo,

de ver teu pranto tremem minhas pálpebras.

Como teu corpo é silencioso". 

Isso é amor a primeira vista, é poder ver tanto do outro em um breve instante. É o que a inteligente repórter queria arrancar da gente.



publicado por joseadal às 16:21
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