“Na verdade, por si mesmas, as pessoas não sabem perdoar, isso nem mesmo está ao alcance delas”.
Este pensamento está na p. 299 do livro A Brincadeira, de Milan Kundera. Fala de algo aparentemente banal, perdoar um mal que nos fazem. Porque o mal nos alcança dioturnamente. Primeiro, é preciso se ter a má sorte de encontrar pela frente uma pessoa insensível que invada nosso espaço. Então, há a necessidade de perdão para não se guardar a mágoa ou a vontade de vingança que só fazem mal. Segundo, tem a ver com o baixo nível de nossa sensibilidade, uma coisica de nada nos afronta. E lá vem de novo a precisão do perdão. Não foi a toa que Deus quando viveu entre nós, ensinou-nos uma oração diária que diz: “Perdoai nossas faltas como temos perdoado aos que nos ofendem”. Porém, apesar de ser uma situação que lidamos diariamente raramente refletimos sobre isso. O escritor meditou algum tempo no assunto e concluiu: “Somos impotentes para anular um pecado cometido, contra nós ou por nós contra outro. Isso ultrapassa as forças humanas. Fazer com que um pecado não conte mais, apaga-lo, diluí-lo no tempo, em outras palavras, transformar alguma coisa em nada, é um ato impenetrável e supra-humano. Apenas o Criador de tudo, Deus, pode. Porque o perdão escapa às leis deste mundo material e é preciso um milagre para lavar um pecado. Só o Ser que está acima da leis naturais e que domina e dobra o tempo e o espaço, pode reverter uma ação e transformá-la em nada, absolve-la [absorvê-la]”.
Deu pra ver que essa atitude cotidiana é muito difícil, mesmo para a pessoa instruída e bem preparada no conhecimento humano. Não deixa de ser, cotidianamente, um modo de nos lembrar do transcendental, do espiritual. “O homem não tem poder de absolver outro homem, a não ser apoiando-se na absolvição divina”.