As cotas nas universidades é um assunto polêmico. Os argumentos a favor ou contra são irrefutáveis. Depois dizem que a verdade é uma só!
Relendo A Tenda dos Milagres encontrei uma referência aos dois lados. É um prazer ler Jorge Amado, seu tom irônico – parece dizer isto e está falando aquilo -, mas sem rancor ou azedume e sim com humor e amor, como neste trecho: “Todos viram o bafafá com os olhos que a terra um dia há de comer, mas cada qual o enxergou a sua maneira. Os mais afirmativos são, é claro, os que não estavam e nem presenciaram, sabem tudo e melhor do que ninguém, são as testemunhas principais”. Não é supimpa?
Agora o caso de dar mais oportunidade aos pobres e pretos: “O lente de Psiquiatria reclamava atenção das elites e dos poderes públicos para um fato que, a seu ver, constituía ameaça gravíssima ao futuro do país: as Faculdades de ensino superior do Estado começavam a sofrer, em seu corpo discente , funesta invasão de mestiços. ‘Torna-se cada vez maior o número de indivíduos de cor a ocupar as vagas que deviam ser reservadas exclusivamente aos moços de famílias tradicionais e de sangue puro’. Impunha-se drástica medida, ’a proibição pura e simples de matrícula a esses elementos deletérios’. Citava o exemplo da Marinha de Guerra, onde negro e mestiço não podiam aspirar o oficialato, e tecia elogios ao Itamarati que, de maneira velada porém firme, ‘impede o alastramento da degradante mancha em seus requintados quadros diplomáticos’”. Parece até que o baiano, se vivo fosse hoje, seria outro a protestar contra as cotas que resgatam o tratamento discriminatório dos negros desde a abolição.
(tirei esta foto num caminho de Valença, pois me atrai as casas de pau a pique, herança africana muito usada nas construções dos colonos brancos)
Mas o herói do livro é Pedro Archanjo que é definido como “pardo, paisano e pobre, mas tirado a sabichão e porreta”. E que responde ao artigo acima com poucas palavras: “O professor Fontes exige doutor de sangue puro. Ora, quem precisa ser puro sangue é cavalo de corrida”.
Que bom a democracia, nela cada qual pode dizer o que pensa, mesmo asneiras.