Você já ouviu contar.
No tempo do meu avô a relação entre pais e filhos era tão severa quanto a de um general com um soldado raso. Meu pai nem pensava em interromper a conversa do pai dele com alguém. As crianças ficavam de fora quando chegavam visitas e nem comiam a mesa com os adultos. As punições eram muito severas. Minha convivência com ‘seu’ Gumercindo já foi mais branda. Podia-se ouvir a conversa dos ‘mais velhos’ e até dar um pitaco em momentos que falavam da gente. As punições continuavam muito severas. Falando francamente tomei surras ‘homéricas’.
O livro A Brincadeira, de Milan Kundera, que comecei a ler, faz uma descrição daquele tempo, os anos de 1940: “Fevereiro de 1948, uma vida nova havia começado, cuja fisionomia, tal como se fixou em minha lembrança, era de uma seriedade muito rígida. Mas tinha isso de espantoso: essa seriedade nada tinha de sombria [como no tempo de meu avô, década de 1920] e foram os tempos mais alegres de todos”.
Era assim mesmo. Meu pai levava a família à praia, saíamos em viagem, ele organizava um natal que tinha até papai Noel a caráter e quando me levava à pescaria íamos de bicicleta. Era o cara.
(ele, sorriso aberto e confiante, e sua mulher, a formidável Idalina, minha mãe; em primeiro plano um garrafa de champagne, o ex-pracinha não brincava em serviço)
Mas se viesse a seu conhecimento que ZéAdal fizera um mau feito, nem é bom falar. O homem moreno de claras entradas na testa - anunciando a calvície que herdei –virava uma fera e gritava: pega aquela tábua ali!, e o pau comia. “Aquela alegria não suportava ironia, desobediência ou brincadeiras, era uma alegria grave, muito provavelmente por causa do “orgulho e do otimismo histórico da classe vitoriosa”. Terem derrotado os alemães, todas as “potências do eixo”, com a morte de 60 milhões de pessoas, dava aos homens de então, uma visão muito séria da vida. (Dimitri em meu colo, é alegria pura)