Domingo, 18 de Novembro de 2012

Entre copos de cerveja a língua fica solta e assuntos presos no coração saem e soam ao vento. Essa é a magia dos álcoois que destravam portas da mente e aliviam emoções reprimidas. (pedalando no alto da Bocaina)

No livro Tenda dos Milagres, que com pena cheguei ao término, conta uma conversa de botequim entre Pedro Archanjo e um professor da Universidade da Bahia:

“- Pergunto, como é possível que você, um homem... de ciência, por que não?, acredite em candomblé? (esvaziou o copo de cerveja) Porque você acredita, não é? Se não cresse não se prestaria a dançar, vestir as vestes ritualísticas e se ajoelhar no peji. Como é possível.

Pedro Archanjo ficou um tempo em silêncio, voltou-se para o garçom e pediu uma dose de cachaça, e disse:

- Podia dizer que gosto de cantar os pontos e dançar. Seria bastante?

- Não, quero saber como você pode conciliar seus conhecimentos científicos com as obrigações do candomblé. Sou materialista e pasmo diante dessas contradições humanas. Parece haver dois homens em você: um que escreve livros e outro que dança no terreiro.

- Não se engane, professor. Sou um só, mas sou uma mistura dos dois, um mulato. Cresci no candomblé vendo nos médiuns os próprios orixás. Ainda novo fui feito Ojuobá, os olhos de Xangô. Tenho um compromisso, uma responsabilidade. (bateu na mesa pedindo nova cerveja) O senhor quer saber se acredito ou não. Vou dizer ao senhor o que até agora só disse a mim mesmo. Durante anos acreditei nos meus orixás, como nosso amigo frei Timóteo acredita no Cristo e na Virgem Maria. Mas depois que me debrucei sobre os livros de ciência perdi a crença, sou mais materialista do que o senhor.

- Ainda mais do que eu, por quê?

- Porque sei, como o senhor sabe, que nada existe além da matéria. Mas, mesmo assim, às vezes o medo enche meu peito e me perturba.

- Explique isso.

- Tudo aquilo que foi meu lastro, a descida dos santos por exemplo, reduziu-se para mim a um estado de transe que qualquer estudante de psicologia explica. Mas continuo indo ao terreiro porque gosto da festa e de estar no meio de meus amigos, de ser tratado com deferência e de participar. Mas acima de tudo é uma religião do meu povo, dos que vieram da África. Não posso abandoná-los quando tantos querem destruir os bens dos negros e dos mulatos, a nossa fisionomia.

- Assim, mestre Pedro, você não ajuda sua gente e nem transforma o mundo.

- Eu penso que os orixás, a capoeira, os afoxés, o samba de roda são bens do povo que não podem acabar. Amanhã, se a gente não desistir, tudo se terá misturado, o mistério do homem pobre será também do rico, e tudo será festa do povo brasileiro”.

A fé é assim, é mistério e bem precioso nos corações das pessoas.



publicado por joseadal às 19:43
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