“Olha a bicicleta! É um perigo! Todo ciclista é assassino e suicida”. Não é uma opinião minha, é de Álvaro, um Senhor de 84 anos, personagem do livro FIM, de Fernanda Torres, a atriz. Ele fala de sua velhice num tom bem engraçado (p.20): “Nunca fui muito ativo. Bebia demais, trocava o dia pela noite, engordei, criei uma barriga sustentada por duas pernas finas e um pescoço curto que equilibra uma careca lustrosa”. Descrição terrível de si mesmo. Sim, porque os coroas meus amigos, Dunga e João Bosco, com certeza ainda se veem como homens de trinta e poucos anos. Porém, ele vai mais longe: “Tive a sorte de envelhecer fumando. Sou assim, mesmo. Não separo lixo, tomo banhos quentes e escovo os dentes com a torneira aberta. Dane-se a humanidade. Não vou estar por aqui para assistir o futuro dessa droga”.
- Gente, que velho mais escroto, Zé!
Ele toma um certo cuidado, não cair – e pior que morreu de um tombo. “A queda é a maior ameaça para o idoso. Que palavra mais odienta. Pior, só ‘terceira idade'. O tombo destrói a linha que liga a cabeça aos pés”.
(sou velho mas fui lá em cima, mas tomo muito cuidado nas descidas)
Também não dispensa o médico, mas com ressalvas: “Tudo me dói. Me consulto com uns dez especialistas. Um quer operar a catarata, o outro a vesícula, e o cardiologista diz que minhas veias já não seguram mais a pressão do sangue, planeja me encher de stendes. Fico quieto, deixo eles falarem, finjo que não é comigo. São uns neuróticos vaidosos”. Nisso eu penso igual a ele.
Mas então entra no ponto nevrálgico: “Comecei a ficar brocha com a minha mulher. Com a amante ainda conseguia, mas depois foi definitivo. Sofri uns bons anos, até que relaxei. Adeus hormônios, adeus garotas. Só me resta virar franciscano”.
Ah, o Álvaro! O cara tem mil ideias, essa, porém me balançou: “Toda amizade masculina carrega um quê de veadagem”. Epa, acabou nossa amizade, mano.