Domingo, 04 de Agosto de 2013

Não fique abespinhado com o que vou contar, mas sempre quis ler Pierre Verger, um etnólogo e fotógrafo francês que foi estudar a evolução das sociedades tribais na África, se deixou envolver pelos cultos primitivos e seus rituais e veio ao Brasil registrar o desdobramento dos rituais afros aqui.

Peguei o livro dele, Orixás, e selecionei dois trechos (p.9 e 10), ainda estou no princípio da obra.

“A religião dos orixás está ligada à noção de família originária de um mesmo antepassado. Eram famílias numerosas que englobavam os vivos e os mortos. O orixá seria, em princípio, um ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos e controle sobre certas forças da natureza, como o trovão, o vento e as águas doces ou salgadas. Ou, que exerciam certas atividades como a caça, o trabalho com metais, o conhecimento das propriedades das plantas e de sua utilização. Após sua morte ganharam poder e a faculdade de encarnar-se momentaneamente em um de seus descendentes ou progênie feita”.

Esta descrição faz dos orixás homens e mulheres que foram elevados a posições de destaque e dados poderes, tal qual aos santos cristãos.

“Voltando assim, momentaneamente, a terra, entre seus descentes, durante as cerimônias de evocação, os orixás dançam diante deles e com eles, recebem seus cumprimentos, ouvem suas queixas, aconselham, concedem graças, resolvem as suas desavenças e dão remédios para as suas dores e consolo para os seus infortúnios. O mundo celeste não está distante, nem superior, e o crente pode conversar diretamente com os deuses e aproveitar da sua benevolência”.

E Verger conclui este capítulo: “Uma das características da religião dos orixás é seu espírito de tolerância e a ausência de todo proselitismo. Isso é compreensível e justificado pelo caráter restrito de cada um desses cultos aos membros e adotados (feitos) de certas famílias”.

São mistérios.



publicado por joseadal às 22:24
Domingo, 18 de Novembro de 2012

Entre copos de cerveja a língua fica solta e assuntos presos no coração saem e soam ao vento. Essa é a magia dos álcoois que destravam portas da mente e aliviam emoções reprimidas. (pedalando no alto da Bocaina)

No livro Tenda dos Milagres, que com pena cheguei ao término, conta uma conversa de botequim entre Pedro Archanjo e um professor da Universidade da Bahia:

“- Pergunto, como é possível que você, um homem... de ciência, por que não?, acredite em candomblé? (esvaziou o copo de cerveja) Porque você acredita, não é? Se não cresse não se prestaria a dançar, vestir as vestes ritualísticas e se ajoelhar no peji. Como é possível.

Pedro Archanjo ficou um tempo em silêncio, voltou-se para o garçom e pediu uma dose de cachaça, e disse:

- Podia dizer que gosto de cantar os pontos e dançar. Seria bastante?

- Não, quero saber como você pode conciliar seus conhecimentos científicos com as obrigações do candomblé. Sou materialista e pasmo diante dessas contradições humanas. Parece haver dois homens em você: um que escreve livros e outro que dança no terreiro.

- Não se engane, professor. Sou um só, mas sou uma mistura dos dois, um mulato. Cresci no candomblé vendo nos médiuns os próprios orixás. Ainda novo fui feito Ojuobá, os olhos de Xangô. Tenho um compromisso, uma responsabilidade. (bateu na mesa pedindo nova cerveja) O senhor quer saber se acredito ou não. Vou dizer ao senhor o que até agora só disse a mim mesmo. Durante anos acreditei nos meus orixás, como nosso amigo frei Timóteo acredita no Cristo e na Virgem Maria. Mas depois que me debrucei sobre os livros de ciência perdi a crença, sou mais materialista do que o senhor.

- Ainda mais do que eu, por quê?

- Porque sei, como o senhor sabe, que nada existe além da matéria. Mas, mesmo assim, às vezes o medo enche meu peito e me perturba.

- Explique isso.

- Tudo aquilo que foi meu lastro, a descida dos santos por exemplo, reduziu-se para mim a um estado de transe que qualquer estudante de psicologia explica. Mas continuo indo ao terreiro porque gosto da festa e de estar no meio de meus amigos, de ser tratado com deferência e de participar. Mas acima de tudo é uma religião do meu povo, dos que vieram da África. Não posso abandoná-los quando tantos querem destruir os bens dos negros e dos mulatos, a nossa fisionomia.

- Assim, mestre Pedro, você não ajuda sua gente e nem transforma o mundo.

- Eu penso que os orixás, a capoeira, os afoxés, o samba de roda são bens do povo que não podem acabar. Amanhã, se a gente não desistir, tudo se terá misturado, o mistério do homem pobre será também do rico, e tudo será festa do povo brasileiro”.

A fé é assim, é mistério e bem precioso nos corações das pessoas.



publicado por joseadal às 19:43
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